Nivaldo Munari
O Sistema de Registro de Preços – SRP – é um instrumento que permite à Administração Pública realizar várias e sucessivas contratações de um mesmo objeto, durante todo o prazo de validade da ata de registro de preços, e até que se esgote o quantitativo licitado ou previsto para as contratações diretas, a partir de processo licitatório único ou de processo de contratação direta único.
A Lei federal 14.133 de 01 de abril de 2021 conceitua o SRP como “conjunto de procedimentos para realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos a prestação de serviços, a obras e a aquisição e locação de bens, para contratações futuras” (art. 6º inciso XLV) e o trata como um procedimento auxiliar a ser utilizado nos processos de contratação administrativa (art. 82 a 86).
Trata-se, portanto, de um sistema de contratações típico e peculiar que traz vantagens tanto para a Administração Pública quanto para os fornecedores que se predispuseram a participar dele.
O objetivo deste trabalho é trazer à tona alguns aspectos que os fornecedores não podem deixar de considerar para uma gestão eficaz dos SRP, à luz das disposições e peculiaridades contidas na Lei 14.1333/2021 e no regulamento do Governo Federal veiculado pelo Decreto nº 11.462 de 31 de março de 2023, com vistas a que as contratações possam lhes ser, efetivamente, vantajosas.
O ponto de partida dessa nossa empreitada é a identificação das duas principais vantagens experimentadas pelos fornecedores nas contratações realizadas com base em SRP: (i) redução de despesas decorrentes da participação em várias licitações ou vários processos de contratação direta, com vistas à celebração de várias e sucessivas contratações; e (ii) a real expectativa de fornecimento de uma quantidade média periódica do objeto do SRP, por meio das possíveis várias e sucessivas contratações.
Em relação à primeira das vantagens não há perquirições maiores a serem feitas.
A participação em um processo licitatório ou em um processo de contratação direta para constituição de SRP possibilita a celebração de vários e sucessivos contratos, reduzindo as despesas de participação a único processo, enquanto que nos sistemas de contratação que não os de registro de preços, a celebração de cada contrato depende da participação e do vencimento de cada processo específico de licitação ou de contratação direta, assumindo o fornecedor o somatório das despesas decorrentes da participação em cada um desses vários processos.
A segunda vantagem, contudo, é a que merece a maior atenção.
Tornar-se vencedor de um processo licitatório ou de um processo de contratação direta para constituição de SRP garante ao fornecedor mera expectativa e não direito à celebração dos contratos que dele possam advir.
Em outras palavras, é perfeitamente legal que o vencedor beneficiário do registro de preços não celebre contrato algum e isto porque uma das peculiaridades mais marcantes do SRP é, justamente, o fato de não existir a obrigação de a Administração Pública celebrar as contratações com base no SRP, podendo ela valer-se de licitação específica para a contratação pretendida.
Realmente, nos termos do artigo 83 da Lei 14.133/2021 e, no âmbito do Governo Federal, conforme artigo 21 do Decreto 11.462/2023, não haverá obrigatoriedade de a Administração contratar com o detentor do preço registrado, facultada a realização de licitação específica para a contratação pretendida, desde que devidamente motivada.
Portanto, a existência de SRP implicará, para a Administração Pública, apenas o compromisso de contratar nas condições estabelecidas, sem, contudo, obrigá-la a contratar com base nele.
Tal benefício, ao revés, não é estendido ao fornecedor já que este, na condição de vencedor do certame ou do processo de contratação direta e beneficiário do registro de preço, se chamado a contratar pela Administração Pública, estará, sim, obrigado a fazê-lo, nas condições estabelecidas no respectivo SRP.
Essa peculiaridade é uma considerável vantagem legal outorgada à Administração Pública e motivo de acuradas reflexões por parte do fornecedor, posto que, como já afirmado, não há garantia que ele vá ser chamado a contratar.
Sem dúvida, a inexistência dessa garantia há de se constituir na premissa básica condutora de todas as ações do fornecedor com o objetivo de realizar a gestão eficaz dos SRP em que cogite participar. Tais ações, por seu turno, devem alcançar as duas fases distintas do SRP, ou seja, a fase de constituição do sistema e a fase de realização das contratações.
Na fase de constituição do SRP, as ações do fornecedor terão em mira, basicamente, a tomada de duas decisões: participar ou não da licitação ou do processo de contratação direta e, em caso positivo, impugnar ou não o edital da licitação ou o aviso de contratação direta. Para tanto, a nosso ver, os pontos principais a serem considerados são:
1) Análise do histórico de contratações dos órgãos participantes em SRP anteriores. A análise da relação quantitativos contratáveis/quantitativos efetivamente contratados constituída em SRP anteriores é indicativo importante para tornar a participação do fornecedor mais ou menos atrativa. Quanto maior a proximidade entre os quantitativos contratáveis e os quantitativos efetivamente contratados, maior será a possibilidade da mera expectativa de contratar do fornecedor vir a se transformar em contratações efetivamente realizadas.
2) Verificação, se houver, dos Planos de Contratações Anual dos órgãos participantes. Esses planos devem refletir a real necessidade de contratações do órgão no exercício orçamentário/financeiro a que se referem. Se os quantitativos dos objetos reservados nos SRP para os órgãos participantes corresponderem aos quantitativos lançados nos seus respectivos PCA, maior será a possibilidade das contratações com base no SRP virem a ser realizadas.
3) Análise minuciosa do regulamento que rege o SRP e do respectivo edital ou aviso de contratação direta com atenção especial para os seguintes aspectos:
3.1) Previsão ou não da figura do “direito de preferência” do beneficiário do registro de preços.
Tanto a Lei 14.133/2021 quanto o Decreto federal 11.462/2023, aboliram essa figura que era prevista no artigo 15 parágrafo 4º da Lei 8.666/1993.
Todavia, o regulamento a que está submetido o SRP pode ter mantido o direito de preferência, como o fez, por exemplo o Decreto do Estado do Paraná (artigo 300 do Decreto 10.086/2022).
Se mantido esse direito no regulamento, o órgão estará obrigado a contratar com o fornecedor beneficiário do registro de preços, caso o preço obtido na licitação específica realizada para aquela contratação, seja igual ao superior ao preço registrado no SRP.
O direito de preferência, em última análise, é um mecanismo que limita a não obrigatoriedade de a Administração Pública contratar com base no SRP. Se estiver presente no regulamento, a possibilidade de contratação do fornecedor beneficiário do registro de preços aumenta em considerável medida.
3.2) Se o SRP for constituído para realização de contratações diretas (o artigo 82 § 6º da Lei 14.133/2021 secundado pelo artigo 16 do Decreto federal 11.462/2023 permitem a constituição de SRP para realização de contratações diretas nos casos de aquisição de bens ou contratação de serviços para mais de um órgão ou entidade pública), deverá ser verificada a regularidade do enquadramento das contratações pretendidas nas hipóteses de inexigibilidade ou dispensa de licitação dos artigos 74 e 75 da Lei 14.133/2021, bem como se o aviso de contratação direta prevê a realização das respectivas contratações com a observância do processo de contratação direta previsto no artigo 72 da Lei 14.133/2021.
A regularidade e a observância antes mencionadas são indispensáveis para evitar que as contratações realizadas com base no SRP venham a ser consideradas irregulares em decisões dos órgãos de controle da Administração Pública ou mesmo do Poder Judiciário, dando ensejo, a partir daí, a eventual responsabilização dos fornecedores contratados.
3.3) O prazo de validade da ata de registro de preços e a previsão ou não da possibilidade de prorrogação deste prazo (o artigo 84 da Lei 14.133/2021 e o artigo 22 do Decreto 11.462/2023 estabelecem que o prazo de validade da ata será de 12 meses, com possibilidade de prorrogação por igual período, desde que comprovado que o preço é vantajoso).
Durante todo o prazo de validade, o fornecedor estará obrigado a disponibilizar a totalidade dos quantitativos licitados ou previstos para as contratações diretas se chamado a contratar, sendo fundamental cuidar acuradamente da administração dos seus estoques, para o cumprimento dessa obrigação.
Caso haja cláusula possibilitando a prorrogação do prazo de validade da ata, verificar, também, se há cláusula prevendo a renovação (aumento) dos quantitativos originalmente licitados ou previstos para as contratações diretas.
Tanto a Lei 14.133/2021 quanto o Decreto 11.462/2023 não contêm previsão autorizando a renovação dos quantitativos, porém essa renovação poderá estar prevista no regulamento, no edital ou no aviso de contratação direta que regem o SRP, como, por exemplo, ocorre com o regulamento do Estado do Paraná (artigo 299 do Decreto 10.086/2022).
A doutrina tem discutido a possibilidade de haver ou não essa possibilidade de renovação de quantitativos, com o aumento dos quantitativos originalmente estabelecidos.
Atualmente, não há posição consolidada a esse respeito. De todo modo, se no caso concreto houver essa previsão de renovação, o fornecedor permanecerá obrigado a atender às contratações realizadas no período da prorrogação, devendo, para tanto, também nesse caso, cuidar acuradamente da administração dos seus estoques.
3.4) Permissão ou não de contratação por parte de “caronas”.
A possibilidade de contratação por parte de “caronas” passou a ser expressamente admitida pela legislação brasileira, por conta de previsão contida no artigo 86 §§ 2º a 8º da Lei 14.133/2021.
Em princípio, tais contratações vêm ao encontro do interesse dos fornecedores por representarem a celebração de novos negócios, sem que para tanto seja necessário participar de novas licitações e processos de contratação direta.
A contratação com “caronas” é uma faculdade e não uma obrigação concedida ao fornecedor, tendo ele a discricionaridade de decidir em cada pedido que receba, se contrata ou não.
Todavia, sem embargo da contratação com “carona” não ser obrigatória, a sua realização não serve de justificativa para que o fornecedor não atenda a um pedido de contratação formulado pelos órgãos participantes, posto que, em relação a estes, a celebração das contratações constitui obrigação e não faculdade. Portanto, nesses casos também, é fundamental a diligente administração dos estoques para que a obrigação de contratar com os órgãos participantes não seja descumprida.
3.5) Regras para alteração ou atualização dos preços registrados na ata e dos preços contratados.
Trata-se de questão crucial aos interesses do fornecedor, na medida em que, durante todo o prazo de validade da ata (12 meses com possibilidade de prorrogação desse prazo por igual período), os custos do objeto a ser fornecido poderão sofrer majoração ou redução, reduzindo o lucro do fornecedor ou até inviabilizando a celebração de novos contratos, sem alteração do preço.
A Lei 14.133/2021 contém regras para reajuste e revisão dos preços contratados, porém é omissa em relação aos reajustes e revisões dos preços da ata, limitando-se, nesse sentido, apenas a prever que tais regras devem ser estabelecidas no edital (artigo 82 inciso VI e § 5º inciso IV).
Frente a essa omissão, o fornecedor deve conhecer, dominar e bem utilizar as regras estabelecidas no edital ou no aviso de contratação direta, para evitar prejuízos nas contratações que celebrar com base no SRP.
No Decreto 11.462/2023, as regras para reajuste e revisão dos preços registrados na ata estão contempladas nos artigos 25 a 28.
3.6) Possibilidade ou não de remanejamento de quantitativos registrados entre os órgãos participantes e, eventualmente, entre órgãos participantes e “caronas”.
A Lei 14.133/2021 não prevê essa possibilidade, mas o Decreto 11.462/2023 admite o remanejamento em seu art. 30 § 1º I e II e §§ 3º a 5º.
O fornecedor deve atentar para existência ou não de regras no edital, no aviso de licitação ou no regulamento que rege o SRP, admitindo esse remanejamento, especialmente em relação aos eventuais casos em que a ele fornecedor não seja concedida a faculdade de não aceitar contratação decorrente do remanejamento.
É que o remanejamento pode implicar acréscimo de custos (por exemplo nos casos de mudança do local de entrega dos bens e execução de serviços ou obras), reduzindo os lucros ou mesmo trazendo prejuízos ao fornecedor.
Na fase de realização das contratações, os pontos principais a serem considerados são:
1) Administração dos estoques com vistas à disponibilidade dos quantitativos estabelecidos no edital ou no aviso de contratação direta, durante todo o prazo de validade da ata de registro de preços, atentando para o fato das contratações serem obrigatórios com os órgãos participantes e facultativas com os “caronas”.
2) Atentar para o cumprimento das regras para a celebração dos contratos tanto com os órgãos participantes quanto com os “caronas” (prazos, documentos a apresentar, etc.).
3) Atentar para o cumprimento das regras relativas à apresentação de amostras, tanto durante o prazo de vigência da ata quanto durante a vigência dos contratos celebrados (o art. 41 inciso II da Lei 14.133/2021 permite que o edital exija apresentação de amostras no período de vigência da ata de registro de preços ou do contrato).
4) Formular os pedidos de alteração ou atualização dos preços registrados quando cabível, e acompanhar atentamente os procedimentos desencadeados para alteração ou atualização dos mesmos preços tanto na condição de beneficiário do registro de preços quanto na condição de integrante do cadastro reserva, para evitar prejuízos ou mesmo a inviabilidade da continuidade das contratações.
Sem embargo do que foi registrado até aqui, e para concluir, é imperioso ressaltar que a atenção dedicada aos pontos acima destacados, conquanto fundamental para a gestão eficaz e para o sucesso das contratações formalizadas com base em SRP, não dispensa a realização de outras análises e avaliações habitualmente levadas a efeito pelos fornecedores, com vistas à gestão eficaz e ao sucesso de todos os seus demais negócios com a Administração Pública.