Prorrogação de contratos públicos: desejo de muitos, realidade para poucos?

Gabriela Pércio1

Quem não deseja um contrato com prazo de 3, 5 ou 10 anos? Nas relações privadas, é comum as empresas terem clientes fiéis, de uma vida inteira. Bons serviços e produtos de qualidade levam a contratações recorrentes e a novos clientes, indicados por amigos, parentes, vizinhos, criando uma lógica de mercado pautada na confiança. Na Administração Pública, contudo, é diferente.

Para os órgãos públicos a escolha não é livre. Contratar e manter o contrato são atividades controladas, que dependem de procedimentos pré-definidos e motivos suficientes, visando garantir a eficiência e a eficácia da atuação administrativa. Assim é em razão da natureza pública do recurso que será utilizado para a realização dos pagamentos decorrentes do contrato. Além de sua boa utilização de fato, levando a uma contratação que supra, satisfatoriamente, as demandas de interesse público, deve haver provas concretas e documentadas de que isso aconteceu, sem desvios ou ilegalidades. Por isso, existem procedimentos de licitação, de contratação direta e de gestão contratual, que acabam por tornar a contratação prolixa e produzir dificuldades para todos os envolvidos, inclusive fornecedores.

Nesse contexto, dependendo do caso, chegar ao término de um contrato pode ser um desafio para o empresário, pois a grande maioria dos órgãos não possui um planejamento adequado envolvendo suas contratações. Isso impacta diretamente nas expectativas originais do contratado, que pode ser surpreendido com imposições unilaterais de alterações que talvez não estejam ao seu alcance ou lhe tragam prejuízos – assunto, aliás, para uma outra oportunidade.

Obter a prorrogação do prazo de vigência – ou a renovação – de um contrato que está sendo vantajoso também tem seus percalços. Não existe, para o contratado, um direito à prorrogação; quem decide é, única e exclusivamente, a Administração contratante.  Ainda que a tendência seja a de prorrogar contratos bem executados, não é tão simples assim, por, ao menos, três razões: a Administração exige da empresa um elevado grau de excelência na execução, que pode, inclusive, estar muito distante do que usualmente satisfaz o cliente privado; são comuns obstáculos decorrentes da desinformação ou do desconhecimento de agentes públicos sobre aspectos importantes envolvendo a execução e a aplicação de normas legais, dificultando o diálogo entre as partes e o deslinde de questões fundamentais; o medo do controle pelos Tribunais de Contas afeta, fundamentalmente, a tomada da melhor decisão, levando o agente a considerar, em caso de dúvida, o risco pessoal envolvido.

O cenário passou a ser extremamente favorável aos contratos de longo prazo a partir das previsões da Lei 14.133/2021. Órgãos e entidades públicas de todo o Brasil, desde que devidamente justificado na fase preparatória da contratação, quando contratarem serviços e fornecimentos continuados, assim considerados aqueles destinados à manutenção da atividade administrativa, decorrentes de necessidades permanentes ou prolongadas2, poderão fazê-lo, diretamente, por até cinco anos e, ainda, prever a possibilidade de prorrogação da vigência por até dez3

Grande parte, senão a maioria dos contratos da Administração Pública estão sujeitas a tal novidade, que representa uma oportunidade singular para que empresas se firmem, definitivamente, como parceiras da Administração Pública, aumentando suas vendas e melhorando seus resultados. Porém, para que isso aconteça, não é suficiente que sejam bons players no mercado privado, é preciso compreender a lógica própria dos contratos públicos e seu peculiar ambiente. Para além da boa execução do contrato celebrado, é fundamental entender os “gatilhos” que inspirarão a confiança do agente quanto ao acerto da sua decisão em prorrogar, além de fugir de “armadilhas” e “pegadinhas” que possam comprometê-la. É preciso ter uma estratégia voltada para a construção de uma relação cuja manutenção se mostre, afinal, como a melhor opção para o órgão contratante.

  1. Gabriela Pércio é advogada, professora e autora, com mais de 15 anos de experiência em licitações contratos. Será palestrante no Conlicitantes 2024. ↩︎
  2. Vide art. 6º, inciso XV da Lei 14.133/2021. ↩︎
  3. Vide arts. 106 e 107 da Lei 14.133/2021.
    ↩︎

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